EXPOSIÇÃO SER TÃO NORDESTINO - AKARNEIRO


OBRAS



















ARTISTA

Akarneiro- Antonio Carneiro Dourado

Antonio Carneiro Dourado, nasceu em 1960 na Fazenda Morrinhos, Canarana-BA.  Aos 16 anos tomou gosto pela sua terra, colocando-a na sua “principiante” forma de pintar. Pinta o sertão com: casas de farinhas, casinholas, carros de boi, flores de mandacaru, barrigudas, sete cascas, quiabentos e a nossa alma sertaneja. Pintor multifacetado, sua mão é clássica. Apesar de autodidata, o artista baiano, sorveu com naturalidade os diversos estilos das escolas europeias, como se fosse um trabalho ordinário dominar com mérito varias tradições. Estas escolas – realismo, impressionismo, surrealismo, cubismo, expressionismo e até pop arte – flui nas telas harmoniosamente. 

Contato: akarneiro@akarneiro.com.br


ENTREVISTA COM AKARNEIRO


  • Pintar o leva ao passado? As brincadeiras de crianças são relembradas?

Quando estou pintando procuro colocar no meu trabalho cenas que vivi no passado. Por ter nascido no sertão aprendi desde cedo a observar a paisagem de chão vermelho alaranjado e céu azul anil, uma vegetação seca e cinzenta, homens e mulheres que lutam no dia a dia pelo sustento da família. São casas de farinha, carro de bois, fifós e tantos outros elementos que a modernagem extinguiu; talvez por isto a obra que apresento desperta sentimentos nostálgicos. Carrego nos pincéis a cor vermelho veneza semelhante a do barro que meu pai usou para enchimentar as paredes da velha casa onde morávamos. Nos meus tempos de menino, quando era época de chuva, brincava de escorregar na lama das enxurradas de águas barrentas que caíam no tanque onde minha mãe lavava roupa, que aguava a horta e enchia os potes. Hoje posso dizer que retrato não só minha infância, mas a de tantos outros nordestinos como eu.  

  • O público nordestino, quando admira as cercas, o fifó, as barrigudas, o contraste de luz e sombra em suas obras tem uma sensação nostálgica bastante positiva. Sensibilizar esse público também é positivo para o artista?


Sei que não pinto só para mim, pinto para aqueles que valorizam este tema, pinto para aqueles que sequer colocaram os pés numa caatinga, pinto para os estudantes ávidos por cores que participam das minhas oficinas e principalmente para posteridade, para manter viva a mensagem de amor que tenho por minha terra. Penso que nesse movimento as pessoas muitas vezes se transportam para as minhas telas e vivem por alguns instante forte lembranças. Com grande felicidade já ouvi relatos abismados do quanto uma tela imaginaria parece com a casa de seus avos, seus pais ou sua infância e o quanto se sentem contentes e saudosos frente aquela imagem. Acredito que seja esta em muitos momentos parte da minha recompensa. Procuro colocar na minha singela forma de pintar as belezas pictóricas do sertão que muitos não vêem; Costumo dizer que há muito tempo fizeram uma imagem negativa do sertão, colocando-o como símbolo uma caveira de boi e um pé de mandacaru, símbolos de seca e morte. Isto tudo pode ser esquecido diante a bela floração do mandacaru e a imensidão de cores da flora e da fauna que o cercam. Assim, as imagens do sertão que deixarei na minha obra para o futuro serão estas casinhas de fachadas coloridas, a floração dos pés de paus da nossa caatinga e principalmente a alegria do nosso povo.  


  • Quem não conhece as árvores do sertão, o fifó, o quiabento e outras coisas que você retrata com maestria, sente uma vontade de pesquisar e conhecer melhor a natureza do sertão. Essa didática é intencional?


Não! A obra é sempre mais contemplativa do que pedagógica. Penso assim. Todavia, não posso deixar de imaginar que os elementos artísticos expostos em minhas paisagens muitas vezes podem ser vistos com estranheza e exterioridade. Se os mandacarus, engenhocas, barrigudas, mourões, sofrês, casas de farinha e o chão avermelhado destas redondezas despertam no outro a vontade de interagir e conhecer mais profundamente estas realidades, não é porque está retratada em uma obra de arte, mas porque são verdadeiramente objetos merecedores de atenção, independente do artista que o retrata.      

  • O sertão visto pelos olhos do artista é suave, quase encantado, diferente de alguns artistas que o retratam de forma inóspita. A realidade é o que cada um quer ver?


Como comentei anteriormente, fizeram e fazem uma imagem negativa do sertão. Não acredito que esta terra teve que ser vista somente sob a ótica de imagem da seca, pobreza e sofrimento. Esta é uma terra rica com um povo forte, mulheres guerreiras, homens trabalhadores, meninos e meninas que ainda gostam de brincadeiras. Não se trata apenas de uma realidade que desejo ver, suavizada ou não pelo meu pincel, mas algo que sinto no sorriso dessas pessoas, mesmo diante da adversidades, que pode ser expressa na satisfação verdadeira de encarar tudo e ainda se deleitar na chuva depois de uma longa seca. Há beleza em tudo, basta olhar.
  • Onde pesa mais o orgulho do nordestino? Nas paisagens do sertão com toda sua riqueza natural ou na sua vasta cultura?


Valorizo tanto nossa paisagem como nossa cultura. Alias, não estou muito certo se esta é uma oposição justa. Paisagem e cultura se misturam, se recriam e se ressignificam a todo momento, talvez ainda mais no nosso sertão. Há cultura na forma de construir nossas paisagens. Não precisamos mais separar estas coisas, isto empobrece nosso discurso e enfraquece nossa forma de compreender nossa realidade. O sertanejo produz sua cultura ao mesmo tempo em que interage com sua paisagem, neste movimento, seu orgulho é produzido como sujeito que pertence, que transforma e que ama sua terra. 

  • As paisagens em algumas obras deixam de ser desoladas por causa da sensação de aconchego que as casinhas transmitem. O que mais essas casas representam nas obras do artista?


Essas casas relevam o calor humano mesmo diante as dificuldades. Enquanto muitos vivem em seus porcelanatos frios, estas casinhas singelas de chão batido com cortinas de xita nas portas revelam pessoas alegres, me encontro entre essas pessoas. Elas são mais que uma habitação; representam nossos costumes, valores e crenças. Esses casebres de fachadas coloridas com iluminação viva são iguais ao povo nordestino.

  • Sinais sutis da modernidade surgem em suas obras, como a antena parabólica, por exemplo. Não fazer esses sinais de modernidade destoar nas obras é um desafio?


O mundo está globalizado e o sertão não ficou de fora. Vejo que o sertanejo, mesmo morando em casas simples, participa desse mundo e suas tecnologias sem colocar em jogo sua identidade como povo. Costumo colocar na obra que retrato alguns sinais desta modernização, ou seja, antenas parabólicas, TV por assinatura ou internet,  se pensar nas regiões mais distantes cabe citar ainda a própria energia elétrica. Estes elementos são provocativos, espero com eles permiti que o apreciador se questione onde começa e termina as fronteiras deste “ser nordestino”, evidentemente eu, como artista e observador desta realidade, não acredito que tais elementos minorem o espírito sertanejo, ao contrario, recoloca-o neste novo tempo fortalecendo-o.       

  • Apesar de pintar em vários gêneros: acadêmico, surrealista, expressionista... você consegue manter o teu estilo. O que o deixa tão à vontade para criar e experimentar outros gêneros?


É interessante pensar agora que em certas fases da minha pintura cheguei a cogitar desistir; não gostava mais da técnica que usava ou talvez a forma não fosse mais capaz de conter o que gostaria de expressar. Neste momento comecei a pesquisar alguns trabalhos dos grandes mestres do impressionismo e pensei em fazer algo inspirado no que vi. Usar mais cores na paleta e mais tinta na tela, com camadas mais grossas e volumosas, mais textura. Percebi que poderia usar técnicas distintas, com estudo e dedicação em outros gêneros, nos meus trabalhos realistas. Na pintura ou em qualquer outro tipo de arte estamos em constante aprendizado, acredito que ao longo dos últimos anos me permiti uma aventura entre diversos gêneros, de modo tímido e mantendo a temática do sertão. Hoje encontro-me satisfeito com o que experimento em minha obra, mas sei que esse estado é passageiro. Isto me levara a seguir experimentando coisas novas e me aperfeiçoando.   

  • Inspirado por sua terra, começou a pintar aos 16 anos, conte um pouco de como foi esse começo.


Quando eu era criança observava as nuvens e nelas via formas. As imagens impressas tanto em papeis, quanto produzidas na própria natureza, me chamavam a atenção. Aos 16 anos, influenciado pelos desenhos do meu irmão mais velho e pelos gibis que lia, comecei a reproduzir algumas personagens que conhecia. Acredito que nesse período percebi minha vocação para a pintura. A primeira tela que pintei foi uma cena nordestina com tintas que já mostravam as cores da minha terra. Fui autodidata e continuo a ser. No inicio tive que experimentar as noções de proporção, sombra, luz, coloração, perspectiva e não foi sempre que os resultados pareceram-me satisfatórios. 

  • Suas obras possuem uma notável harmonia, dizem que a obra reflete o gênio do artista. O artista Antonio Carneiro é equilibrado e cheio de contrastes como suas obras?


Muitas vezes não me vejo com um pintor, mas um sertanejo. Tenho uma vida pacata, admirando coisas simples: um passarinho, gatos se espreguiçando ou o desabrochar de uma flor de cacto. Não sei dizer se sou equilibrado ou cheio de contrastes.  As vezes as pessoas acabam por ter uma expectativa particular ou diferente sobre o artista, mas certamente minha alma, passado, presente, alegrias e desejos estão nas minhas pinturas. Sou realmente aquilo que consigo expressar em minhas telas. 

  

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